TEMPO REAL LAB terá a duração de 12 semanas (de 30 de setembro a 20 de dezembro de 2024), será composto por 4 módulos de 3 semanas cada, onde cada módulo é composto por uma semana dedicada à experiência de um dos dispositivos performáticos síntese da Composição em Tempo Real e duas semanas dedicadas ao estudo da espinha dorsal da ferramenta (a partir dos seus eixos cardinais, premissas e princípios) e de uma “experiência foco” da Composição em Tempo Real.
O simples desejo de se desenhar uma calendarização e uma espécie de “currículo” fere, à primeira vista, a natureza da prática da Composição em Tempo Real, que não se quer domesticada e que, no seu modus operandi nuclear, habita o imponderável e o indeterminado. Por outro lado, também sabemos que os rituais e os protocolos resultantes de enquadramentos tipo “curso”, “laboratório” ou mesmo “escola”, não são mais do que referentes genéricos que atraem pessoas a um lugar. Uma vez juntas, são as pessoas que decidem o que é que estão de facto ali a fazer. Se tudo correr bem, as estruturas de poder associadas a estes termos serão desativadas, passando à condição de meros pretextos que nos mobilizaram na direção de um ponto de encontro. Este encontro é a condição necessária para a troca e para a partilha, fim último de um projeto de transmissão e investigação.
Dispositivos-Síntese
Os dispositivos-síntese que iremos explorar resultam de práticas desenvolvidas ao longo dos anos de investigação da CTR e refletem preocupações como: a relação entre performatividade e presença do espetador, a restrição e a tarefa como potencializadoras de ambientes de liberdade performativa, a relação entre palavra e ação, o trânsito entre afetos, enunciados e as suas manifestações. Correspondem a preocupações que sintetizam princípios e premissas que sustentam a sua prática, sobretudo aquelas onde se dá um deslocamento da perceção espácio-temporal do acontecimento, do tipo sinestésico, onde os sentidos se cruzam, colidem e sobrepõem. Mais próximo do curso serão partilhados com os participantes detalhes sobre cada um dos dispositivos a serem explorados.
Na primeira semana de cada módulo, através dos dispositivos-síntese, teremos a possibilidade de habitar a experiência da CTR mesmo antes de se começar a descascar as diversas camadas que a compõem. Este gesto parece-nos absolutamente necessário para destabilizar a tendência do “pensar primeiro e fazer depois” tão presente nos nossos hábitos cartesianos de acesso ao saber. Queremos assim “protegermo-nos de nós próprios” invertendo a ordem dos fatores, colocando-nos primeiro no interior da experiência para, num segundo tempo, estudar os seus ecos e as suas réplicas. À medida que o curso avança, mesmo esta inversão será subvertida e o acesso à experiência dar-se-á sem distinção clara entre prática e teoria, numa tentativa de diluir e desierarquizar as fronteiras entre o fazer e o pensar.
No fim de cada semana, o estudo destes dispositivos terá uma apresentação pública (quatro no total). Esse gesto permitirá estudar um aspeto central desta prática: a influência da observação externa no modo como nos apresentamos (e representamos). Estas apresentações funcionarão ainda como modos de “publicar” a experiência (no sentido de deixar uma marca pública), produzindo assim discurso e arquivo, um dos eixos programáticos da TECER.
Espinha dorsal
Durante as manhãs o ponto de encontro será com João Fiadeiro e colaboradores, de forma a estudar e experimentar a Composição em Tempo Real a partir dos seus eixos cardinais, e das suas premissas e princípios estruturantes, quer do ponto de vista dos seus conceitos, como das ferramentas que a sustentam. Neste período dar-se-á mais atenção ao funcionamento da “máquina” e menos à sua aplicabilidade. Se pensarmos numa analogia biológica, a CTR será aqui estudada como se tratasse de uma “célula estaminal”, ainda indiferenciada, que se pode tornar a qualquer momento, numa célula “especializada” (muscular, sanguínea ou cerebral).
Experiência foco
Da parte da tarde, o foco transitará para diferentes formas de experimentação e aplicação desta ferramenta, a partir da apropriação feita ao longo dos anos por artistas como Márcia Lança, Carolina Campos, Daniel Pizamiglio e Cláudia Dias, que trabalharam/trabalham intensamente com João Fiadeiro e que desenvolveram abordagens próprias em relação a esta ferramenta. Estas sessões permitirão aos participantes acederem a diferentes vozes no interior da Composição em Tempo Real, reforçando a ideia de que, ao mesmo tempo de que se trata de uma metodologia rigorosa, com princípios e premissas precisas, é também aberta e permeável à sensibilidade singular de quem a incorpora (tanto de quem a transmite como de quem a recebe).
Por isso, as “área de estudo” desenhadas para estas sessões será uma consequência direta dos interesses, imaginários e experiências de cada artista que irá orientar as sessões. Dependendo de quem a partilha, e do ângulo em que é abordada, estar-se-á simultaneamente perante a repetição (da técnica) e a diferença (da abordagem). Esta qualidade diagonal e oblíqua faz parte da estrutura desta proposta e transmiti-la a partir de uma experiência múltipla é a consequência lógica do seu modo de operar.
Um programa de intenções individual mais detalhado, por parte de cada artista que facilita as sessões, será partilhado mais próximo do curso.