Tempo Real LAB
Laboratório de estudo, transmissão e aplicação
da ferramenta Composição em Tempo Real
De 30 de setembro a 20 de dezembro de 2024
Um curso organizado no quadro do projeto TECER, uma iniciativa de João Fiadeiro enquanto Artista-Investigador Residente do Forum Dança.
Candidaturas encerradas
“Talvez o tempo presente e o tempo passado
Estejam ambos presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo está eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.”
T. S. Eliot, in Quatro Quartetos
“A Composição em Tempo Real é uma ferramenta que põe em prática um descentramento radical para abordar aquilo que ultrapassa a experiência humana.”
Emma Bigé, filósofa, bailarina, curadora
Premissa
A Composição em Tempo Real é uma ferramenta que “corre o risco” de ser bem-sucedida na resolução de problemas de decisão e seleção em processos de improvisação ou composição. É uma das suas forças. Mas não é só isso que nos move. Move-nos o desejo de encontrar estratégias de suspensão da certeza. Modos de pensar a ação e de fazer agir o pensamento. Maneiras de não saber em conjunto.
TEMPO REAL LAB nasce do desejo em dar corpo a este enunciado.
Proposta
Desde que a Composição em Tempo Real (CTR) começou a ser sistematizada, no fim dos anos 90, que João Fiadeiro desenvolve estratégias para partilhar esta ferramenta de forma avançada e imersiva, para lá do workshop pontual e esporádico.
Um curso que possibilite aceder às múltiplas camadas desta prática na duração, a partir dos diferentes ângulos e escalas que a compõem, e com doses equilibradas e interconetadas de pensamento, experimentação e ação.
Um curso onde a CTR seja entendida enquanto “campo de estudo”, e que consiga reduzir a distância de territórios normalmente cindidos entre a teoria e a prática; o ficcional e o documental; ou a observação e a ação.
Um curso onde a apropriação das suas ferramentas e conceitos aconteça de forma intuitiva e empírica, e onde a sua aplicação responda às necessidades de cada situação, circunstância e utilização.
Tivemos exemplos potentes e intensos desta partilha no passado – desde os “Case Studies” nos anos 2000; o AND_Lab no início dos anos 2010 e, mais recentemente, o PACAP 5 aqui no Forum Dança, em 2021. Mas estes cursos tiveram sempre uma “agenda” paralela – a criação artística, a investigação de cariz científico ou a disciplina da improvisação sensu lato – onde a CTR era sempre estudada na relação com outros fins e nunca na sua condição de “meio”, de “entre”, de “processo”.
E não é por acaso que isso acontecia. Não é fácil colocar de pé uma plataforma de transmissão para ensinar/partilhar uma prática que, para todos os efeitos, “não serve para nada”. Ou melhor dizendo, serve “o nada”, a ideia de “nada”, aqui entendido não enquanto “ausência” ou “vazio”, mas como algo ainda em aberto, em potência, sem ter sido contaminado e condicionado por um sentido fechado ou uma etiqueta.
Mas desta vez, aproveitando o enquadramento de um Centro de Estudo da CTR como a TECER, a perspetiva de continuidade que o Forum Dança proporciona, e o facto dos meus pares mais diretos – Márcia Lança, Carolina Campos, Daniel Pizamiglio ou Cláudia Dias – já terem um corpo de trabalho próprio na investigação, transmissão e aplicação da CTR, sentimo-nos prontos para mergulhar neste vazio.
Programação e Calendarização
TEMPO REAL LAB terá a duração de 12 semanas (de 30 de setembro a 20 de dezembro de 2024), será composto por 4 módulos de 3 semanas cada, onde cada módulo é composto por uma semana dedicada à experiência de um dos dispositivos performáticos síntese da Composição em Tempo Real e duas semanas dedicadas ao estudo da espinha dorsal da ferramenta (a partir dos seus eixos cardinais, premissas e princípios) e de uma “experiência foco” da Composição em Tempo Real.
O simples desejo de se desenhar uma calendarização e uma espécie de “currículo” fere, à primeira vista, a natureza da prática da Composição em Tempo Real, que não se quer domesticada e que, no seu modus operandi nuclear, habita o imponderável e o indeterminado. Por outro lado, também sabemos que os rituais e os protocolos resultantes de enquadramentos tipo “curso”, “laboratório” ou mesmo “escola”, não são mais do que referentes genéricos que atraem pessoas a um lugar. Uma vez juntas, são as pessoas que decidem o que é que estão de facto ali a fazer. Se tudo correr bem, as estruturas de poder associadas a estes termos serão desativadas, passando à condição de meros pretextos que nos mobilizaram na direção de um ponto de encontro. Este encontro é a condição necessária para a troca e para a partilha, fim último de um projeto de transmissão e investigação.
Dispositivos-Síntese
Os dispositivos-síntese que iremos explorar resultam de práticas desenvolvidas ao longo dos anos de investigação da CTR e refletem preocupações como: a relação entre performatividade e presença do espetador, a restrição e a tarefa como potencializadoras de ambientes de liberdade performativa, a relação entre palavra e ação, o trânsito entre afetos, enunciados e as suas manifestações. Correspondem a preocupações que sintetizam princípios e premissas que sustentam a sua prática, sobretudo aquelas onde se dá um deslocamento da perceção espácio-temporal do acontecimento, do tipo sinestésico, onde os sentidos se cruzam, colidem e sobrepõem. Mais próximo do curso serão partilhados com os participantes detalhes sobre cada um dos dispositivos a serem explorados.
Na primeira semana de cada módulo, através dos dispositivos-síntese, teremos a possibilidade de habitar a experiência da CTR mesmo antes de se começar a descascar as diversas camadas que a compõem. Este gesto parece-nos absolutamente necessário para destabilizar a tendência do “pensar primeiro e fazer depois” tão presente nos nossos hábitos cartesianos de acesso ao saber. Queremos assim “protegermo-nos de nós próprios” invertendo a ordem dos fatores, colocando-nos primeiro no interior da experiência para, num segundo tempo, estudar os seus ecos e as suas réplicas. À medida que o curso avança, mesmo esta inversão será subvertida e o acesso à experiência dar-se-á sem distinção clara entre prática e teoria, numa tentativa de diluir e desierarquizar as fronteiras entre o fazer e o pensar.
No fim de cada semana, o estudo destes dispositivos terá uma apresentação pública (quatro no total). Esse gesto permitirá estudar um aspeto central desta prática: a influência da observação externa no modo como nos apresentamos (e representamos). Estas apresentações funcionarão ainda como modos de “publicar” a experiência (no sentido de deixar uma marca pública), produzindo assim discurso e arquivo, um dos eixos programáticos da TECER.
Espinha dorsal
Durante as manhãs o ponto de encontro será com João Fiadeiro e colaboradores, de forma a estudar e experimentar a Composição em Tempo Real a partir dos seus eixos cardinais, e das suas premissas e princípios estruturantes, quer do ponto de vista dos seus conceitos, como das ferramentas que a sustentam. Neste período dar-se-á mais atenção ao funcionamento da “máquina” e menos à sua aplicabilidade. Se pensarmos numa analogia biológica, a CTR será aqui estudada como se tratasse de uma “célula estaminal”, ainda indiferenciada, que se pode tornar a qualquer momento, numa célula “especializada” (muscular, sanguínea ou cerebral).
Experiência foco
Da parte da tarde, o foco transitará para diferentes formas de experimentação e aplicação desta ferramenta, a partir da apropriação feita ao longo dos anos por artistas como Márcia Lança, Carolina Campos, Daniel Pizamiglio e Cláudia Dias, que trabalharam/trabalham intensamente com João Fiadeiro e que desenvolveram abordagens próprias em relação a esta ferramenta. Estas sessões permitirão aos participantes acederem a diferentes vozes no interior da Composição em Tempo Real, reforçando a ideia de que, ao mesmo tempo de que se trata de uma metodologia rigorosa, com princípios e premissas precisas, é também aberta e permeável à sensibilidade singular de quem a incorpora (tanto de quem a transmite como de quem a recebe).
Por isso, as “área de estudo” desenhadas para estas sessões será uma consequência direta dos interesses, imaginários e experiências de cada artista que irá orientar as sessões. Dependendo de quem a partilha, e do ângulo em que é abordada, estar-se-á simultaneamente perante a repetição (da técnica) e a diferença (da abordagem). Esta qualidade diagonal e oblíqua faz parte da estrutura desta proposta e transmiti-la a partir de uma experiência múltipla é a consequência lógica do seu modo de operar.
Um programa de intenções individual mais detalhado, por parte de cada artista que facilita as sessões, será partilhado mais próximo do curso.
Público-alvo
Procuramos artistas profissionais experientes, ligados à performance e à dança contemporânea, que se identifiquem com uma postura transversal, híbrida e oblíqua do fazer-pensar artístico. É importante que já tenham um corpo de trabalho de reflexão e experimentação consistentes, mesmo que ainda em início de carreira, de forma a se constituírem enquanto coletivo de pares, disponíveis para uma troca desierarquizada, generosa e recíproca.
Mesmo que se crie um lugar de investigação seguro, sustentado numa ética de trabalho apoiada em princípios de cuidado e de respeito mútuo, a prática da improvisação e da performance, por definição, pode levar performers para lugares de partilha intensa, muitas vezes vulneráveis, onde a dúvida e o erro têm um lugar de relevo. Procuramos por isso perfis de participantes com maturidade emocional suficiente para fazer face a situações de experimentação que abalem, mesmo que provisoriamente, as suas zonas de conforto. A idade mínima de participação é de 23 anos.
Informações
Selecione cada uma das secções abaixo para tomar conhecimento de todas as especificações do curso e do processo de candidaturas.
Língua
O curso será orientado em inglês e português.
Importante!
As candidaturas podem ser enviadas em português e/ou em inglês.
Datas
Após receção do dossier, as candidaturas pré-selecionadas serão convidadas até ao dia 19 de julho de 2024 para uma entrevista online (via zoom) com João Fiadeiro e a equipa curatorial. As candidaturas serão informadas da decisão final até 5 de agosto de 2024.
- Pré-seleção 15.07.2024 – 18.07.2024
- Resultados da pré-seleção 19.07.2024
- Entrevistas 25.07.2024 – 26.07.2024
- Respostas Finais: até 05.08.2024
- Datas do programa 30.09.2024 – 20.12. 2024
Horários
A organização diária deste curso será dividida por uma sessão matinal e uma sessão durante a tarde.
O curso terá lugar de terça-feira a quinta-feira, sendo as sextas-feiras dedicadas a atividades auto-organizadas pelo grupo.
- 10h00 – 12h30 – sessão da manhã
- 13h30 – 17h15 – sessão da tarde
Local
Forum Dança / Espaço da Penha
Travessa do Calado, 26B
1170-070 Lisboa
Candidaturas
Elementos a enviar:
- Carta de motivação com as razões pelas quais se candidata (max. 1 pág. A4 .pdf)
- CV com fotografia e nota biográfica incluída (max. 2 pág. A4 .pdf)
- Portfólio em pdf ou site onde se possa aceder ao histórico de criações, textos publicados ou colaborações realizadas, com links para registos de vídeo.
- Um texto que responda à seguinte pergunta (max. 1/2 pág. A4 .pdf): Para onde vai a luz quando se apaga?
- Uma imagem que traduza a seguinte frase: “Todas as coisas estão delicadamente interligadas”
- Uma frase que traduza a seguinte imagem:
! NOTA IMPORTANTE !
Não aceitamos links para download de vídeos.
Os links enviados devem dar acesso direto à visualização online dos ficheiros (Youtube, Vimeo, etc.).
Taxa de participação
- Inscrição 120 €
- Pagamento integral do curso 800 €
- Pagamento em 2 prestações 420 € x 2
Bolsas
Será atribuída uma bolsa de redução de 50% do valor da propina, após a seleção.
Formulário
As candidaturas já estão encerradas.
Biografias
João Fiadeiro
João Fiadeiro (1965) é um performer, coreógrafo, investigador, professor e curador português.
Pertence à geração de artistas que surgiu no final dos anos oitenta em Portugal e deu origem ao movimento da Nova Dança Portuguesa.
Nos anos 90 estudou e praticou intensamente o Contacto-Improvisação o que o levou a prosseguir e sistematizar a sua própria investigação sobre improvisação sob a designação de Composição em Tempo Real. Esta pesquisa levou-o a coordenar workshops em programas de mestrado e doutorado em várias escolas e universidades em todo o mundo.
Tem feito extensas digressões pela Europa, América do Norte e América do Sul com os seus trabalhos a solo e em grupo.
O seu percurso, quer enquanto coreógrafo ou performer, como enquanto investigador ou curador, centrou-se na criação de condições para a experimentação, a prática laboratorial e o cruzamento interdisciplinar.
Esta actividade foi realizada tanto no quadro da direcção de projectos de programação e investigação artística, que passaram pelo Centro Cultural da Malaposta (1990-95), pelo Espaço Ginjal (1995-1998), pelo Lugar Comum (1999-2000), pelo Espaço A Capital (2000-2002) e pelo Atelier Re.AL (2004-2019), como no quadro da sua prática artística, através das criações e dos ateliers de investigação organizados em torno da Composição em Tempo Real.
O Atelier Re.AL foi uma estrutura que desempenhou um papel preponderante no desenvolvimento da dança contemporânea e de iniciativas transdisciplinares em Portugal.
Em todas estas diferentes plataformas de encontro, João Fiadeiro foi sempre acompanhado por artistas que participaram ativamente enquanto criadores, performers, investigadores e programadores, contribuindo de maneira decisiva para a existência deste projeto durante 30 anos de atividade ininterrupta.
Márcia Lança
Márcia Lança nasceu em Beja e vive em Lisboa. Em 2008 fundou a VAGAR da qual é diretora artística. Tem trabalhado como coreógrafa e performer em diversas configurações colaborativas.
Move-se em territórios onde as fronteiras entre o ficcional e o real são ténues e difusas. O seu interesse pela materialidade poética de ações e tarefas concretas está no centro dos seus processos de criação.
É apaixonada por composições coletivas emergentes, pelo pensamento enquanto ação e por construções situadas.
Carolina Campos
Carolina Campos é brasileira e vive entre Lisboa e Barcelona.
Realizou o Programa de Estudos Independentes do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.
No Brasil trabalhou com a Lia Rodrigues Cia de Danças, entre 2008 e 2011.
Colabora intensamente desde 2013 com João Fiadeiro na formação, criação e investigação da Composição em Tempo Real.
Daniel Pizamiglio
Daniel Pizamiglio é performer e criador brasileiro.
De 2008 a 2010 fez o Curso Técnico em Dança de Fortaleza (2008-2010). Durante este período encontrou o coreógrafo João Fiadeiro e a partir deste encontro mudou-se para Lisboa em 2012, onde actualmente vive e trabalha.
Desde então estuda e pratica a Composição em Tempo Real; participou no Programa de Estudo, Pesquisa e Criação Coreográfica do Forum Dança (2015-2016); tem colaborado como intérprete, cocriador e assistente de direcção com diferentes artistas.
No seu trabalho autoral, procura um encontro entre a poesia e o corpo (“Dança Concreta”) e como ativar a corporalidade dos afectos e da relação (“Preste Atenção Em Tudo A Partir de Agora”).
Cláudia Dias
Cláudia Dias nasceu em Lisboa, em 1972. É coreógrafa, intérprete e professora. Iniciou a sua formação em dança na Academia Almadense, foi bolseira na Companhia de Dança de Lisboa, concluiu o Curso de Formação de Intérpretes de Dança Contemporânea no Forum Dança, e frequentou o Mestrado em Artes Cénicas na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Iniciou o seu trabalho como intérprete no Grupo de Dança de Almada. Integrou o colectivo Ninho de Víboras. Colaborou com a Re.Al tendo sido uma intérprete central na estratégia de criação de João Fiadeiro e no desenvolvimento, sistematização e transmissão da Técnica de Composição em Tempo Real. Criou as peças Feedback, E.U. (entrevistem-me urgentemente), Juntem-se 2 a 2, As águias não geram pombas, Per Ti, Histo, One Woman Show, Visita Guiada, Das coisas nascem coisas, Vontade de ter Vontade, 23 + 1 e Nem tudo o que dizemos tem de ser feito nem tudo o que fazemos tem de ser dito. Foi artista associada da Re.Al e do Espaço do Tempo e artista residente no Alkantara. Publicou textos nas revistas Boa União e Woman On Scene e nos livros Correspondencias.Bad e Escenas do Cambio. Premiada pelo Clube Português de Artes e Ideias no concurso Jovens Criadores, 1998. Nomeada para o Prémio Melhor Coreografia de 2013 e de 2017 pela Sociedade Portuguesa de Autores. Desde 2016 desenvolve o projecto Sete Anos Sete Peças acumulando funções de direcção, criação, interpretação e formação. Criou a associação Sete Anos.