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TECER | CTR

TECER | CTR

Tempo | Estudo | Composição | Experimentação | Real

“Se observarmos a aranha a agir, o que ela eventualmente trama primeiro (…) não é a teia; o que eventualmente ocorre é que a pérola de visgo por ela tecida, suspensa na ponta do fio levado pelo vento, encontra um galho [um muro, um canto]. Esse primeiro fio estendido transversalmente esboçará o alinhamento indispensável à tecelagem. (…) Será possível dizer que a aranha tem o projeto de tecer sua teia? Não creio. Melhor dizer que a teia tem o projeto de ser tecida.”

 

Fernand Deligny, O Aracniano

Apresentação

TECER | CTR é um projeto dirigido por João Fiadeiro no quadro da sua posição de Artista Investigador Residente do Forum Dança. Através desta plataforma, João Fiadeiro pretende transmitir o estudo (e estudar a transmissão) da Composição em Tempo Real (CTR)*, uma prática (teórica) e uma teoria (prática) que se oferece enquanto “campo”, um lugar-território que tem como objetivo acolher e hospedar as forças que estão em jogo naquilo a que convencionamos chamar de presente. No interior desse presente e na perspetiva da CTR, movimenta-se um tempo expandido, simultaneamente “não mais” e “ainda não”. Um tempo não-linear, vivido como uma banda de Möbius, sem interior nem exterior, sem antes nem depois. Um tempo onde a sombra, a margem e o fragmento têm o mesmo protagonismo daquilo que está na luz, ao centro e no todo. Um tempo onde as posições se tomam, para que as com-posições se deem.

 

Transmitir a Composição em Tempo Real a partir da força que o “não-saber” transporta e não do poder que o “saber” carrega. Partilhar a Composição em Tempo Real, reduzindo a distância e a cisão entre teoria e prática, processo e produto, ação e observação, ação e procrastinação, memória e esquecimento, ensino e aprendizagem.

 

Eis a ambição de TECER | CTR enquanto centro de estudo e experimentação da Composição em Tempo Real.

Contextualização

Selecione cada uma das secções abaixo para saber mais.

Sensibilidade às Condições Iniciais

Em Composição em Tempo Real, as regras do jogo são definidas à medida que o jogo é jogado e não, como na maioria dos jogos (incluindo o jogo da vida), antes do jogo começar. Antes de se dar início à prática da Composição em Tempo Real, aquilo que se estabelece como chão comum são as premissas e os princípios que regem o jogo, numa espécie de compromisso ético coletivo onde se circunscreve a sua singularidade, se define os seus eixos cardinais e se estabelece o enquadramento conceptual desta prática. Em linhas gerais, as três premissas que guiam este compromisso podem ser sintetizadas a partir de coordenadas simples:

  1. Não se explicam as jogadas;
  2. Não se joga duas vezes seguidas;
  3. Não se corrige a jogada precedente.

Na sequência (e em consequência) destas restrições iniciais, o jogo desdobra-se numa gestão fina e minuciosa entre doses de repetição e diferença que vão, a cada jogada, sendo introduzidas no sistema.

 

Outro conceito chave desta prática é o princípio da “não linearidade”. Em Composição em Tempo Real é sempre a ação posterior que estabelece, retroativamente, as regras do jogo (daquele jogo em particular, porque mal o jogo em questão termine, as regras ficam imediatamente obsoletas). É por isso que só se pode falar verdadeiramente em jogo, quando o jogo já vai a meio. Ou seja, a maior parte do tempo da experiência em Composição em Tempo Real não se utiliza para jogar o jogo, mas para encontrar o jogo. Esse encontro dá-se a) quando, a partir de uma posição, se cria uma relação; e b) quando, a partir dessa relação, se estabelece uma operação. Esse processo dá-se em três tempos:

  1. O tempo onde se dá uma “posição”;
  2. O tempo onde se dá um “com” (criando uma relação do tipo “posição-com”);
  3. O tempo onde se dá uma “posição-com” (criando uma operação do tipo “posição-com-posição”).

A operação “posição-com-posição” resultante, funciona como uma equação, um fractal que se expande para o interior daquilo a que chamamos de instante, momento ou presente. Desenvolver uma sensibilidade a esta tríade – posição-com-posição – é a condição necessária para se jogar o jogo da Composição em Tempo Real.

Transmissão

As sessões semanais, os workshops pontuais ou os cursos anuais organizados pela TECER | CTR no Forum Dança, visam multiplicar as plataformas de acesso à Composição em Tempo Real, tando do ponto de vista da intensidade, como ao nível dos conteúdos propostos.

 

Em 2024 propomos dois workshops – na Páscoa e no verão – com o título de “Sensibilidade às Condições Iniciais: uma introdução à Composição em Tempo Real”. São workshops práticos, onde os corpos são convidados a agir e a entrar em relação, por isso, embora seja aberto a performers, investigadores e artistas de qualquer disciplina artística ou área do pensamento (desde que nutram curiosidade pelos conceitos apresentados nesta apresentação), deve haver uma disponibilidade física para a participação. A língua principal será o português. Havendo participantes que não falem português, tentaremos organizar no interior do grupo formas de tradução partilhada. As inscrições serão aceites por ordem de chegada.

Workshop da Páscoa

De 1 a 5 de abril 2024, das 14h00 às 18h00

Sensibilidade às condições iniciais I
Uma introdução à Composição em Tempo Real: o espaço enquanto corpo

Workshop de verão

De 26 a 30 de agosto 2024, das 14h00 às 18h00

Sensibilidade às condições iniciais II
Uma introdução à Composição em Tempo Real: o corpo enquanto espaço

Composição em Tempo Real, João Fiadeiro / Forum Dança

Sessões abertas de CTR

Todas as segundas-feiras, das 18h00 às 20h00

Sessões abertas à comunidade
Com a facilitação de João Fiadeiro, Márcia Lança, Cláudia Dias, Carolina Campos e/ou Daniel Pizamiglio.

Tempo Real LAB - Laboratório de estudo, transmissão e aplicação da ferramenta Composição em Tempo Real.

Programa Intensivo de CTR

De 30 de setembro a 20 de dezembro de 2024

 

Programa intensivo de investigação e experimentação da Composição em Tempo Real com a duração de 12 semanas.

*Composição em Tempo Real

Composição em Tempo Real é uma designação utilizada em inúmeras interações e contextos artísticos, sendo mais usual a sua utilização no campo da música eletrónica e na sua relação com a ciência da computação. No campo da dança contemporânea é utilizada por diversos artistas, como sinónimo da prática da “improvisação” (um termo de certa forma “sequestrado” pelo senso comum, como uma experiência arbitrária, desorganizada ou caótica), de forma a enfatizar a complexidade e o rigor envolvidos no ato de improvisar, sobretudo quando apresentada de forma pública.

 

Quando, nos anos noventa, João Fiadeiro deu início à sua investigação em torno da improvisação, a expressão mais utilizada para reivindicar esse rigor era a expressão “composição instantânea”. De forma meio intuitiva, João Fiadeiro decidiu adotar a noção de “composição em tempo real” para designar a sua investigação, porque era o termo que correspondia melhor à experiência de tempo expandido, distendido e plástico que ele experimentava quando “colidia” com o desconhecido, seja quando improvisava, seja quando compunha. Mais tarde conseguiu formular melhor essa resistência ao termo “instantâneo”, quando percebeu que uma parte importante da hipótese que colocava enquanto investigador, sobre a experiência do performer na sua relação com o tempo, sustentava-se na premissa de que a ideia de “instante” é uma construção artificial do ser humano, que decidiu, a partir do seu interesse (e proveito) próprio, que um instante é a fatia mais fina do tempo e que os momentos sucessivos substituem o anterior.

 

Mais recentemente, ao aceder ao pensamento de autores que estudam o conceito de tempo, essa convicção ganhou ainda mais corpo. Nomeadamente através da formulação de “tempo operativo” que Giorgio Agamben utiliza em “O tempo que resta”. Agamben apoia-se no linguista Gustave Guillaume (1883-1960) que afirma (no seu livro Temps et verbe) que “toda a experiência mental, por mais rápida [que seja], necessita de um certo tempo, que pode ser brevíssimo, mas nem por isso menos real”. Aquilo a que Guillaume define como “tempo operativo” (e João Fiadeiro como “tempo real”) é exatamente “o tempo que a mente emprega para realizar uma imagem-tempo”. Agamben complementa este raciocínio quando diz que “um exame atento dos fenómenos da linguagem mostra que as línguas organizam os seus sistemas verbais, não segundo o esquema linear precedente (…) mas através da referência da imagem construída no tempo operativo da sua construção.”. O tempo operativo (ou, como diria Fiadeiro, “tempo real”) “não é nem a linha – representável mas impensável – do tempo cronológico, nem o instante – igualmente impensável – do seu fim, e muito menos um segmento extraído do tempo cronológico (…). É antes o tempo operativo que urge no tempo cronológico e o trabalha e transforma a partir do interior, tempo do qual precisamos para fazer findar o tempo – nesse sentido: o tempo que nos resta.”.

 

Percebe-se, pelo que foi dito, que ao se debater sobre o termo de “instante” ou de “tempo real” para designar o tipo de “composição” que está aqui em jogo, João Fiadeiro não tem como referência o tempo partilhado entre improvisador e espetador, mas o tempo interno do performer, na gestão da experiência que medeia a identificação, a circunscrição e o processamento dos estímulos; a seleção e escolha das possibilidades de relação; e a sua consequente manifestação em forma de gesto e ação.

 

A utilização da expressão “Composição em Tempo Real” utilizada por João Fiadeiro para designar a sua investigação e prática, tem que ser entendida à luz desta reflexão.

João Fiadeiro

Forum Dança | PACAP 5 - João Fiadeiro
João Fiadeiro © Ana Viotti

João Fiadeiro (1965) pertence à geração de artistas que surgiu no final dos anos oitenta em Portugal e deu origem à Nova Dança Portuguesa, movimento fortemente influenciado pelo Judson Dance Theatre na América e pela cena New Dance na Europa.

 

Entre 1990 e 2019 foi diretor artístico do Atelier RE.AL, espaço que teve um papel preponderante no desenvolvimento da dança contemporânea e de iniciativas transdisciplinares em Portugal, tanto no âmbito da arte como entre arte, ciência e sociedade. Entre os projetos organizados por esta associação, destacam-se o LAB/Moving Projects (1992-2006), uma plataforma de work in progress de artistas emergentes; “Restos, rastos e traços” e “G.host” (2009-2011), dois programas de residência com foco em práticas de documentação para a arte contemporânea; e o projeto AND_Lab (2011-2014), um laboratório de pesquisa que trabalha a relação entre ética, estética e política, estão entre as iniciativas de maior impacto na comunidade.

 

João Fiadeiro tem feito extensas digressões pela Europa, América do Norte e América do Sul com os seus trabalhos a solo e em grupo. As suas peças navegam entre disciplinas (performance, dança e teatro), contextos (teatros, museus ou site-specific) e formatos (coreografias, happenings ou palestras-performances), numa tentativa de manter uma “sensibilidade radical” face ao presente e manter-se vigilante contra qualquer forma de estagnação ou perda do discurso crítico.

 

Entre 1995 e 2003 colaborou com os Artistas Unidos, companhia de teatro sediada em Lisboa, onde foi responsável pela movimentação dos atores em peças de Silva Melo, Shakespeare, Brecht, Goethe, etc. encenou peças de Samuel Beckett (Waiting for Godot), Sarah Kane (Psychosis 4’48’‘) e Jon Fosse (Nightsongs).

 

Paralelamente ao seu trabalho como coreógrafo, encenador e curador, João Fiadeiro estudou e praticou de forma intensa o Contacto-Improvisação nos anos 90, o que o levou a prosseguir e sistematizar a sua própria investigação sobre improvisação sob a designação de Composição em Tempo Real. Esta investigação, que começou por ser uma ferramenta de apoio às suas próprias práticas criativas, tem desde então sido utilizada por investigadores das áreas das artes e das ciências (provenientes de áreas tão diversas como a antropologia, as ciências dos sistemas complexos ou a economia), como plataforma teórico-prática para o estudo de decision-making, representação e colaboração. Este trabalho levou-o a lecionar em diferentes espaços independentes na Europa e América do Sul (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile) e a conduzir workshops nos mais importantes programas de mestrado e escolas da Europa relacionados à dança contemporânea como PACAP/Forum Dança; EXERCE Master, Mestrado em Prática Artística e Cultura Visual no Museu Rainha Sofia; Programa SoDA MA; Estudos Performativos na Universidade de Hamburgo; Mestrado em Coreografia de Amsterdão; Mestrado em Teatro DasArts; a.pass_estudos avançados de performance e cenografia; MA Theatre Academy da University of the Arts Helsinki; Villa Arson; Centre National de la Danse, etc.

 

A ferramenta Composição em Tempo Real tem desde então alargado a sua aplicação fora do campo artístico com iniciativas como “Soft Skills for Hard Decisions”, concebida em colaboração com o economista António Alvarenga e aplicada em departamentos de recursos humanos de fundações; ou a disciplina “Estigmergia Social” concebida para o programa de doutoramento da Universidade ISCTE em Lisboa com o cientista de sistemas complexos Jorge Louçã.

 

Em 2018 João Fiadeiro publicou o livro “Anatomia de uma Decisão” onde sintetizou a sua pesquisa ao longo da vida sobre Composição em Tempo Real e em 2019 co-coordenou (com Romain Bigé) a exposição Drafting Interior Techniques na Culturgest, a primeira retrospetiva realizada sobre o trabalho e legado de Steve Paxton.

Programação