Sessões Abertas
Composição em Tempo Real
Segundas-feiras, das 18h00 às 20h00
!! Atenção !!
Em junho haverá sessões nos dias 3, 17 e 24.
Com a facilitação de João Fiadeiro, Márcia Lança,
Cláudia Dias, Carolina Campos e/ou Daniel Pizamiglio
Durante o período que a REAL (estrutura dirigida por João Fiadeiro entre 1990-2019) dirigiu o Atelier Real, organizaram-se sessões abertas de prática de Composição em Tempo Real gratuitas para a comunidade. Eram sessões despretensiosas, entre a jam e a master class, que tiveram um impacto importante na comunidade de artistas de então e na investigação sobre (e em torno) desta ferramenta. Foram também sessões muito importantes como lugar de encontro e para a criação de redes profissionais e afetivas que perduram até hoje.
Durante os próximos meses, enquanto programação da actividade desenvolvida no âmbito da posição de Artista Investigador Residente do Forum Dança, vamos replicar estas sessões para partilhar a nossa experiência, mas também para nos deixarmos contaminar por discursos, olhares e práticas fora da nossa zona de conforto. Estas sessões estão abertas a qualquer pessoa – artista ou não artista, com ou sem experiência de improvisação, com percursos ligados à prática ou à teoria – desde que as premissas e princípios desta prática despertem a curiosidade.
“O ‘objeto de estudo’ da Composição em Tempo Real é o intervalo que emerge quando o tempo linear é interrompido e a sensação de continuidade é suspensa (via acidente, incidente ou ‘porque sim’). O espaço que se abre, resultante dessa interrupção, é onde a pesquisa de Composição em Tempo Real têm lugar. Dentro desse espaço, o tempo tem essa rara qualidade de ser simultaneamente ‘não mais’ e ‘ainda não’. Dentro desse espaço, o tempo não é linear (ou mesmo circular), mas ‘torcido’ (como a superfície topológica da ‘Fita de Möbius’), regido por leis que não respeitam as noções convencionais do antes e do depois, do dentro e do fora ou do longe e do perto.”
João Fiadeiro
A participação é gratuita, basta aparecer!
Contextualização
Selecione cada uma das secções abaixo para saber mais.
Composição em Tempo Real
Composição em Tempo Real é uma designação utilizada em inúmeras interações e contextos artísticos, sendo mais usual a sua utilização no campo da música eletrónica e na sua relação com a ciência da computação. No campo da dança contemporânea é utilizada por diversos artistas, como sinónimo da prática da “improvisação” (um termo de certa forma “sequestrado” pelo senso comum, como uma experiência arbitrária, desorganizada ou caótica), de forma a enfatizar a complexidade e o rigor envolvidos no ato de improvisar, sobretudo quando apresentada de forma pública.
Quando, nos anos noventa, João Fiadeiro deu início à sua investigação em torno da improvisação, a expressão mais utilizada para reivindicar esse rigor era a expressão “composição instantânea”. De forma meio intuitiva, João Fiadeiro decidiu adotar a noção de “composição em tempo real” para designar a sua investigação, porque era o termo que correspondia melhor à experiência de tempo expandido, distendido e plástico que ele experimentava quando “colidia” com o desconhecido, seja quando improvisava, seja quando compunha. Mais tarde conseguiu formular melhor essa resistência ao termo “instantâneo”, quando percebeu que uma parte importante da hipótese que colocava enquanto investigador, sobre a experiência do performer na sua relação com o tempo, sustentava-se na premissa de que a ideia de “instante” é uma construção artificial do ser humano, que decidiu, a partir do seu interesse (e proveito) próprio, que um instante é a fatia mais fina do tempo e que os momentos sucessivos substituem o anterior.
Mais recentemente, ao aceder ao pensamento de autores que estudam o conceito de tempo, essa convicção ganhou ainda mais corpo. Nomeadamente através da formulação de “tempo operativo” que Giorgio Agamben utiliza em “O tempo que resta”. Agamben apoia-se no linguista Gustave Guillaume (1883-1960) que afirma (no seu livro Temps et verbe) que “toda a experiência mental, por mais rápida [que seja], necessita de um certo tempo, que pode ser brevíssimo, mas nem por isso menos real”. Aquilo a que Guillaume define como “tempo operativo” (e João Fiadeiro como “tempo real”) é exatamente “o tempo que a mente emprega para realizar uma imagem-tempo”. Agamben complementa este raciocínio quando diz que “um exame atento dos fenómenos da linguagem mostra que as línguas organizam os seus sistemas verbais, não segundo o esquema linear precedente (…) mas através da referência da imagem construída no tempo operativo da sua construção.”. O tempo operativo (ou, como diria Fiadeiro, “tempo real”) “não é nem a linha – representável mas impensável – do tempo cronológico, nem o instante – igualmente impensável – do seu fim, e muito menos um segmento extraído do tempo cronológico (…). É antes o tempo operativo que urge no tempo cronológico e o trabalha e transforma a partir do interior, tempo do qual precisamos para fazer findar o tempo – nesse sentido: o tempo que nos resta.”.
Percebe-se, pelo que foi dito, que ao se debater sobre o termo de “instante” ou de “tempo real” para designar o tipo de “composição” que está aqui em jogo, João Fiadeiro não tem como referência o tempo partilhado entre improvisador e espetador, mas o tempo interno do performer, na gestão da experiência que medeia a identificação, a circunscrição e o processamento dos estímulos; a seleção e escolha das possibilidades de relação; e a sua consequente manifestação em forma de gesto e ação.
A utilização da expressão “Composição em Tempo Real” utilizada por João Fiadeiro para designar a sua investigação e prática, tem que ser entendida à luz desta reflexão.
João Fiadeiro
João Fiadeiro (1965) pertence à geração de artistas que surgiu no final dos anos oitenta em Portugal e deu origem à Nova Dança Portuguesa, movimento fortemente influenciado pelo Judson Dance Theatre na América e pela cena New Dance na Europa.
Entre 1990 e 2019 foi diretor artístico do Atelier RE.AL, espaço que teve um papel preponderante no desenvolvimento da dança contemporânea e de iniciativas transdisciplinares em Portugal, tanto no âmbito da arte como entre arte, ciência e sociedade. Entre os projetos organizados por esta associação, destacam-se o LAB/Moving Projects (1992-2006), uma plataforma de work in progress de artistas emergentes; “Restos, rastos e traços” e “G.host” (2009-2011), dois programas de residência com foco em práticas de documentação para a arte contemporânea; e o projeto AND_Lab (2011-2014), um laboratório de pesquisa que trabalha a relação entre ética, estética e política, estão entre as iniciativas de maior impacto na comunidade.
João Fiadeiro tem feito extensas digressões pela Europa, América do Norte e América do Sul com os seus trabalhos a solo e em grupo. As suas peças navegam entre disciplinas (performance, dança e teatro), contextos (teatros, museus ou site-specific) e formatos (coreografias, happenings ou palestras-performances), numa tentativa de manter uma “sensibilidade radical” face ao presente e manter-se vigilante contra qualquer forma de estagnação ou perda do discurso crítico.
Entre 1995 e 2003 colaborou com os Artistas Unidos, companhia de teatro sediada em Lisboa, onde foi responsável pela movimentação dos atores em peças de Silva Melo, Shakespeare, Brecht, Goethe, etc. encenou peças de Samuel Beckett (Waiting for Godot), Sarah Kane (Psychosis 4’48’‘) e Jon Fosse (Nightsongs).
Paralelamente ao seu trabalho como coreógrafo, encenador e curador, João Fiadeiro estudou e praticou de forma intensa o Contacto-Improvisação nos anos 90, o que o levou a prosseguir e sistematizar a sua própria investigação sobre improvisação sob a designação de Composição em Tempo Real. Esta investigação, que começou por ser uma ferramenta de apoio às suas próprias práticas criativas, tem desde então sido utilizada por investigadores das áreas das artes e das ciências (provenientes de áreas tão diversas como a antropologia, as ciências dos sistemas complexos ou a economia), como plataforma teórico-prática para o estudo de decision-making, representação e colaboração. Este trabalho levou-o a lecionar em diferentes espaços independentes na Europa e América do Sul (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile) e a conduzir workshops nos mais importantes programas de mestrado e escolas da Europa relacionados à dança contemporânea como PACAP/Forum Dança; EXERCE Master, Mestrado em Prática Artística e Cultura Visual no Museu Rainha Sofia; Programa SoDA MA; Estudos Performativos na Universidade de Hamburgo; Mestrado em Coreografia de Amsterdão; Mestrado em Teatro DasArts; a.pass_estudos avançados de performance e cenografia; MA Theatre Academy da University of the Arts Helsinki; Villa Arson; Centre National de la Danse, etc.
A ferramenta Composição em Tempo Real tem desde então alargado a sua aplicação fora do campo artístico com iniciativas como “Soft Skills for Hard Decisions”, concebida em colaboração com o economista António Alvarenga e aplicada em departamentos de recursos humanos de fundações; ou a disciplina “Estigmergia Social” concebida para o programa de doutoramento da Universidade ISCTE em Lisboa com o cientista de sistemas complexos Jorge Louçã.
Em 2018 João Fiadeiro publicou o livro “Anatomia de uma Decisão” onde sintetizou a sua pesquisa ao longo da vida sobre Composição em Tempo Real e em 2019 co-coordenou (com Romain Bigé) a exposição Drafting Interior Techniques na Culturgest, a primeira retrospetiva realizada sobre o trabalho e legado de Steve Paxton.